sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

O Lado Preferido da Calçada

Como filho do interior, conservo hábitos. O respeito pelos rituais herdados de meu pai, de meu avô, de meu bisavô. Assim como não perco o interesse ao espiar o entardecer e conferir como será o último gole de rio pelo sol alaranjado.

O armário afetivo não dispensa gentilezas e mantas quadriculadas: aguardar que a companhia se sirva para somente comer, puxar a cadeira, abrir o guarda-chuva, acompanhar até em casa e esperar que entre para se despedir.

Hábitos masculinos. Alguns dirão que são antiquados, machistas; outros, românticos, pueris.

Ao invés de discuti-los, eu me satisfaço em perpetuá-los.

Dentre eles, o que mais valorizo é manter a mulher no lado interno da calçada. Não permito que escape para o meio-fio. Serei antipático quando contestado. Serei grosso para preservar minha educação. Que ela permaneça na banda do céu no jogo da amarelinha. Meus sapatos estão acostumados a desenhar os limites do giz. É uma dança, a regra de uma dança, como levar a parceira ao salão com a mão esquerda e conduzi-la com a direita. Conduzir não é arrastar. É ter firmeza para a resposta.

Não a deixarei perto da rua, vulnerável aos atropelos da vida, à visão elétrica dos carros, ao ataque dos assaltantes. Não que a esconda, cultivo mistérios. Recebo em troca boa parte de sua sombra em meus quadris. 

Claro que ela sabe se defender, mas é uma preferência musical. Minha atitude de ouvinte. Ela estará leve e debruçada nas guitarras das casas. Ainda mais se comentar a beleza de uma arquitetura e alisar os azulejos antigos como se fossem novos.

Posso ouvir com maior nitidez seus passos, a acústica do vestido. Envolver-me com o ritmo da respiração crescendo pelo esforço da caminhada. Afora os prazeres de olhar de lado e ser desafiado de perfil.

O cuidado de cuidar, o tato de servir. Andar certas quadras com a sensação de proteger desarma os homens. Confiantes, confessam inclusive a infância e o que não lembravam.

O homem visita a rua, por isso fica de fora, com seu corpo destinado ao extravio do mundo. A mulher é a própria residência a passeio, a intimidade de um telhado capturada pelos cabelos.

Mulher merece estar no lado de dentro do homem, no forro das árvores, com a paciência de nosso corpo e a escolta da linguagem.

Rente aos portões, às portas, às marquises. Mais perto das vozes dos estabelecimentos e das sonoridades das janelas.

No lado de dentro. Sempre. Qualquer que seja a palavra ou a avenida. Dentro de mim. 


               Fabrício Carpinejar
 

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Aspirante a poeta

Tenho saudade de suas pernas
que entrelaçavam as minhas
eternizando uma noite comum.
Tenho saudade das juras de amor que proferias a mim.
Tenho saudade do teu cheiro, 
que invadia minha alma 
e que ainda está em minhas roupas.
E tenho saudade do teu olhar
que me queimavam por dentro
e me acalmavam por fora.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Gay Heterossexual

- Você é um gay heterossexual
- Eu?
- Sim. Um gay que gosta de mulher e só de mulher, essa é a diferença.
- Mas de onde você ta tirando isso? Eu adoro futebol.
- Meu cabeleireiro também adora.
- Eu gosto de lavar carro, sofro com qualquer arranhãozinho ali no meu carro.
- Meu estilista, também.
- Ah, meu Deus. Você não me ama mais.
- Viu como é dramático? Qualquer coisa é uma ópera gay!
- Não sou nada. Não uso piteira pra tragar as palavras.
- Olha aí, humor refinado. Seu humor é gay. Ninguém entenderia essas piadas.
- Não, para, você ta me provocando à toa.
- Não, acho extremamente viril um gay ser heterossexual.
- Ta bom! Me mostra que sou gay!
- Lembra quando você fez um strip na última semana?
- Lembro. E daí? Não gostou?
- Vibrei! Sabemos, mas você arrancou a camisa, a calça, jogava pro lustre, pela janela, mostrava um desinteresse passional furação. E... no instante de retirar as meias, você cria um novelo com as duas como se fosse guardar na gaveta!
- Não me diga que é gay!
- Sim, foi uma parada gay.
- Para de polinizar. Não posso ser gentil, educado, afetuoso e já me rotula.
- Conversa de gay. Não recordo de um marmanjo defendendo a sua ternura.
- Sou vaidoso no amor, e daí?
- Pinta as unhas, corta o cabelo uma vez por semana. Seu guarda-roupa é duas vezes o meu! Adora loja, disposto a debater duas horas se leva uma echarpe ou não.
- Não vejo a vida com maniqueísmo, homo e hétero.
- Quanto tempo você suporta uma mancha no tapete?
- Cinco minutos!
- É! É o tempo pra buscar um desinfetante, né?
- Bom, ta tudo bem! Quer uma prova de que sou inteiramente masculino?
- Inteiramente? Estranho... um gay que emprega muito esse tipo de advérbio.
- Não, não, deixe eu falar.
- Ta, tudo bem. Me diz qual é a prova irrefutável.
- Eu tenho um poncho.
- Ué, todo gay usa poncho.
- Ah, eu vou mandar prum analista de Pagé pra acabar com essa frescura.
- Tudo bem, é um homem. Você é um homem. Um homem gay.
- Poderia arrumar seu brinco?
- Ta aí, falei. Repara em tudo, comenta qualquer pessoa que passa. O jeito que ela se veste, o jeito como ela fala, tomado de uma maldade alegre.
- Ué, falando mal dos outros que eu aprendi a me criticar.
- Nunca tem fim uma discussão de um relacionamento. Emenda um problema no outro, não termina um assunto.
- Acho que você está acostumada com desprezo.
- Ta me ofendendo? Eu puxo os seus cabelos.
- E se encontrar um nó, desembaraça?
- Isso é um detalhe! Observe agora a sua quebradinha de quadril pra afirmar que não é gay.
- Não, não, não. Isso não é suficiente.
- Combina cueca com camiseta. Homem não escolhe a cueca, pega a primeira que aparecer pela frente.
- Não me convenceu isso aí. Isso aí é de suas histórias, não é capricho.
- Limpa a casa com entusiasmo. Vocação Maternal.
- É uma vingança porque canto ABBA na cozinha.
- Não me entenda mal. Acho você um homem perfeito. Mas um super homem do Gil.
- Gilberto Gil? Pretende me desmoronizar?
- É um elogio, porra!
- Parece um homem falando agora.
- Ah, vá se danar!
- Descobri o que quer com essa conversa. Já transou com um gay, acertei?
- Tudo bem, sua paranoia é masculina

 Fabrício Carpinejar